quarta-feira, 25 de novembro de 2009

O cara legal que eu não quis.

Em 2002, sob a direção de Sam Raimi, o ator Tobey Maguire encarnou nos cinemas um dos personagens mais famosos e queridos da Marvel Comics, o Homem-Aranha. Talvez pelo collant justinho em azul e vermelho, talvez pelo jeitinho meio tímido, Peter Parker conquistou meu coração quando eu tinha apenas doze anos. Nunca fui atrás dos quadrinhos impressos em papel, nem me vesti de Duende Verde em nenhuma festa a fantasia, mas assisti à adaptação para o cinema centenas de vezes, provavelmente mais do que muitos rapazotes da mesma idade.
Com os óculos apoiados bem no alto do nariz e com uma saudável obsessão pelo meu super-herói favorito, ele apareceu. Foram esses os fatos que me levaram a dar atenção ao que ele dizia. E dizia coisas agradabilíssimas, o tempo todo. Tinha sensibilidade para boa música, embora não tocasse nenhum instrumento musical. Não tive tempo de dizer isso a ele, mas sempre achei que ele deveria experimentar algum instrumento musical.
Talvez piano. Ele tem mãos para o piano. Longas e ossudas que, combinadas com o corpo esguio e os cabelos escuros me passavam uma excessiva sensação de segurança. Ele tinha um jeito de marido, para falar a verdade, embora combinasse paixão e suavidade com uma maestria que eu nunca mais encontrei e homem algum. Era um cara legal em vários aspectos. Além de gostar de música norte-americana e acompanhar todos os seriados que seu tempo livre permitia, ele jogava futebol americano. Não sei se fazia isso porque realmente gostava ou só pra fazer tipo. Não tive tempo de conhecê-lo o suficiente para saber. É uma dúvida que me perturba até hoje, principalmente porque pesquisei bastante sobre times, regras, campeonatos e o esporte não me atraiu de maneira nenhuma.
Fato é que, sendo eu quem eu sou, e sendo ele quem ele é, ou melhor, sendo eu quem eu sou e ele quem ele era (já que a vida e moça o devem ter mudado mais do que seria possível, para mim, imaginar), tive certeza, no exato momento em que segurei a sua mão, que não poderia segurá-la por muito tempo. Meu toque pedia fúria, loucura, novidade. O toque dele transmitia uma tranqüilidade e uma estabilidade intangíveis até mesmo para a minha imaginação.
Sei que tentei convencê-lo disso por meio de explicações sem nenhum cabimento. Queria poder fazê-lo acreditar que eu tinha um dom, o dom da premonição, e que eu o via, no futuro, sendo muito feliz por aí, com quem quer que fosse, exceto comigo. Ou então que era perfeitamente comum que eu o estivesse magoando: eu também já fora magoada e ele também magoaria alguém um dia. Pode ser que eu realmente acreditasse no que estava dizendo naquela época (e realmente sinto que eu acreditava), hoje, no entanto, acho uma tremenda de uma conversa fiada. Não fiz o que fiz por maldade, fiz por mim, pelas coisas que queria e com que sonhava, e também por ele, pelas coisas que ele queria e com as quais sonhava. Espero que um dia eu tenha a oportunidade de dizer isso ele.
Se ele sofreu ou não, fato é que minha mais sincera balela deixou o caminho livre para que aparecesse em sua vida uma moça baixinha, com olhos pequenos e redondos, quase felinos, tão suaves e sensíveis quanto os dele, que lhe deu o que ele queria. Da mesma maneira como deixou o caminho livre para a minha boca suja, minhas experiências excêntricas, cheias de riscos aos quais, tenho a sensação, ele jamais se exporia. Eu posso ter inventado a tal premonição, mas acredito que minha fé e a justiça da natureza fizeram por bem torná-la realidade.
Não tem vez que eu assista ao Homem-Aranha sem me lembrar dele. Quando vejo algum meninote louco por videogame, não consigo evitar o riso por dentro. E às vezes, mais freqüentemente anos atrás, assistia aos jogos da NFL na ESPN só para recordar as regras do “football” que, com tanto esmero, aprendi para agradá-lo. Estamos onde deveríamos, não sentimos falta um do outro, não temos contato. Tenho inclusive a sensação de que ele se lembra de mim com muito menos freqüência do que eu dele e que, quando se lembra, isso nem faz diferença.
Bastante curioso que eu nunca tenha escrito nada, em absoluto, sobre ele. Acho que dediquei tanto tempo recheando páginas com histórias sobre os outros, aqueles que não me quiseram, que não sobrou nem um minuto para escrever um versinho sequer sobre ele. O cara legal que eu não quis.

2 comentários:

  1. ele até tinha um teclado em casa, mas não sei porque, acho que não treinou muito, ou desistiu da idéia, sei lá...

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