segunda-feira, 29 de agosto de 2011

O primeiro ou o último?

Dizem que o verdadeiro amor é o primeiro.

Num plantão de pronto-socorro esses dias eu atendi um senhor bem velhinho portador da doença de Parkinson. Ele tinha mais de 80 anos, estava na maca, de olhos fechados, enfraquecido, apesar de ser um cara grandão, de mais de 1,90m.
Ele vinha acompanhado do filho adulto - um chato - e da esposa pequenina e magra, menor do que eu que já sou baixinha. Era um casal bem humilde, vindo de um bairro pobre desses da periferia. Ela trazia e apertada na mão as receitas dos milhares de medicamentos que ele tomava pra controlar a desestabilizadora doença. Estavam preocupados porque o velhinho não comia há dias. Enquanto eu conversava com a simpática senhorinha de olhos ligeiros, vi que o senhor na maca tremia e se encolhia um pouco. Perguntei a ela se ele talvez estivesse com frio. Ela imediatamente se aproximou da maca e, tão pequenina e magra, quase na ponta dos pés, perguntou baixinho no ouvido do marido grandão:
"Querido, você ta com frio?".






Ninguém vai me tirar da cabeça que o verdadeiro amor é o último. Até que a morte os separe.

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Não há mensagens.


Oito da noite. Apresentação de música rolando numa igreja. Frio rolando lá fora. Menina sentada sozinha no penúltimo banco, rolando o celular no bolso.

20h10. Olha disfarçadamente para o celular. Sem ligações, sem mensagens de texto. Igual às 19h26, às 18h49 e o dia inteiro antes disso. Guarda o celular como se nem estivesse ai. Menina, não seja blasé, essa olhadinha escondida não engana nem a você.

É choro a música que vem lá da frente. É, menina, um bom choro talvez resolva o seu problema. 20h17. Larga mão, menina, ele não vai ligar! Um violão, ora um sax, ora flauta, percussão. Se a menina entendesse de música, procuraria por um baixo, já que a situação parecia grave. 20h24. Ainda sem resposta.

Abraça o corpo ou coloca as mãos nos bolsos: finge que não é pra sentir se acontecer de o celular vibrar. Balança o pé e finge que não é inquietude, coloca no ritmo da música. E, já que ta fingindo, olha de novo o celular e finge que é pra saber a hora. Olha e mal repara, nem registra 20h31. O ícone de mensagem não pisca, tampouco o de ligação.

Verifica a qualidade do sinal, por via das dúvidas. Pela via das dúvidas anda o esperançoso. E não sei se é porque a esperança sempre morre no final (afinal a via das dúvidas é bem duvidosa), mas a própria dúvida morreu ali mesmo: o sinal estava perfeito.

Não, menina, ele não ligou, ele não respondeu às suas mensagens. E não é por causa do sinal.

A menina se distrai por uns minutos com a criança de orelhas de abano três bancos à frente. Menina, não franza a testa pra ele. Talvez um dia ele diga que vai ligar para uma menina. Talvez ele ligue mesmo.

Odiou o celular que não vibrava. Odiou o banco duro, a música linda dedicada à esposa do compositor. Odiou se submeter à espera – odeia esperar. Odiou as bochechas infladas do cara que tocava sax e a camiseta cor-de-rosa do percussionista que suava. Nem precisa falar que a menina odiou o pandeiro... E o padeiro e o carteiro na platéia. E a vida, o universo e tudo mais.

20h45 nada. 20h48 nothing. 20h52 niente. 20h53 mucho menos. Resposta zero em qualquer língua. Agradecimentos lá na frente. Alguém puxa uma salva e é seguido por todo mundo. A menina se distrai ao acompanhar as palmas. Odeia quando todo mundo tem que ovacionar em pé com os puxa-saco da primeira fila. Odeia ocupar as mãos e deixar o celular desguarnecido. Plateia pede pelo bis do choro porque a apresentação de choro foi bonita. A menina pede por uma resposta. Porque acha que foi esquecida.

20h58, alonga o pescoço, levanta novamente para bater palmas. Confere mais uma vez e sai da igreja, vai para a rua, via de dúvidas, sentindo que lá, talvez, o choro continue.